Dossiê Métodos Plurais: corporeidades e narrativas em debate
Keywords:
Métodos Plurais, corporeidades, narrativas em debateAbstract
O fazer acadêmico exige notoriamente um esforço de sistematização e de organização de ideias. Informações, adaptabilidade e criatividade, aliadas ao rigor científico, contribuem para o processo de execução da pesquisa. Nesse sentido, a metodologia – o importante “como fazemos” do método científico - pode constituir um elemento facilitador ou complicador do trabalho acadêmico. Muitas vezes é preciso criar ou adaptar uma metodologia para aplicar a seu objeto. Encontrar o método que responde às problemáticas suscitadas na investigação pode ser desafiador.
O dossiê Métodos Plurais: corporeidades e narrativas em debate que a revista Interscience Place publica discute e põe em destaque os modos como investigamos em Ciências Humanas e Sociais, especialmente na área da Comunicação e da Informação. O foco da edição se concentra nas metodologias que adotamos para dar conta de questões e desafios contemporâneos ao olhar para a pesquisa nas áreas das Humanidades, seus fenômenos e suas práticas, principalmente durante o recente período de pandemia de Covid-19 com todas as suas implicações sobre o universo da pesquisa (2020-2023).
O ponto de partida para o debate são as corporeidades, os afetos e as emoções em narrativas pessoais e midiatizadas, bem como as metodologias utilizadas nas pesquisas que abordam esses temas. Consideramos que pesquisa é processo e implica escolhas. Escolhas bem feitas justificam as etapas, fundamentam olhares, levantam novas questões.
Esta edição reúne textos de pesquisadores docentes e discentes de pós-graduação em torno da reflexão de que narrativas, nas áreas da comunicação – e também da sociologia, da antropologia, da história e da educação - não constituem apenas textos para análise cultural, mas são práticas sociais com importantes efeitos que têm o poder de despertar emoções (Lutz, Abu-Lughod, 2008). Nessa perspectiva, emoções são tomadas em sua perspectiva cultural e social (Rezende; Coelho, 2010; Le Breton, 2009), assim como as narrativas que as envolvem. E a noção de real, entendida a partir do que também se fala sobre ele.
Ao refletir sobre narrativas durante a pandemia, Oliveira, Freitas e Fortuna (2024, p. 8) apontam para os desafios de se estudar o atual e o cotidiano enquanto eles ainda acontecem. Os autores lembram que “Umberto Eco, no clássico livro Como se faz uma tese, já ensinava que o cotidiano é lugar rico de temas para pesquisa. Pierre Bourdieu, com seu não menos célebre texto ‘Alta costura e alta cultura’, apontava para o problema de se hierarquizar o que deveria ser estudado. Cabe ao pesquisador, ao analista social tirar do mundo ao seu redor os temas de estudo”. Com isso, os autores ressaltam não haver um assunto mais nobre que o outro, e sim, “olhares sobre temas e temáticas, políticas (e financiamentos) que incentivam a pesquisa em determinados setores em momentos específicos” (2024, p.8).
Os artigos que compõem este Dossiê, em linhas gerais, constroem um olhar sobre como investigamos narrativas, que procedimentos metodológicos adotamos ao olhar para os fenômenos e práticas sociais, interacionais, de comunicação. Ademais, de maneira interdisciplinar, ampliam a discussão sobre metodologia para além da área da comunicação, incluindo, como escrevemos acima, a sociologia, a antropologia, a educação e a história.
O dossiê está dividido em três seções: Metodologias, narrativas e afetos na pandemia; Métodos plurais: a pesquisa social na pandemia; e Metodologias e experiências interdisciplinares em educação. Trata-se de partes que dialogam entre si, não são excludentes e podem ser lidas em diferentes ordens.
A primeira seção apresenta resultados de pesquisas em Comunicação que se relacionam a narrativas e afetos durante a pandemia de Covid-19. Inicia-se com o artigo “Narrativa digitais do eu na pandemia: percurso metodológico para análise de escritas de si e afetos”, de Daniele Ribeiro Fortuna e Denise da Costa Oliveira. O texto apresenta um percurso metodológico que viabiliza a análise de narrativas do eu publicadas em arquivos crowdsourcing - sites que reúnem testemunhos em texto e/ou imagem, postados de forma voluntária. O recorte é feito a partir do site #memóriascovid19, organizado por iniciativa de pesquisadores da Unicamp com colaboração de pesquisadores de outras instituições.
Em seguida, o texto “De máscara e distante: o jornalismo, a etiqueta da pandemia e o processo civilizador”, de Geraldo Garcez Condé, discute como o jornalismo põe em relevo o abrandamento dos costumes e o controle das emoções, ao prescrever os comportamentos adequados – como o uso de máscara e a manutenção de distância mínima entre as pessoas – no contexto da pandemia de Covid-19.
Posteriormente, Renata Rezende Ribeiro, no artigo “Narrar a dor em telas midiáticas: proposta metodológica para compreender os afetos contemporâneos”, por meio de um itinerário sobre o conceito de emoções em diferentes abordagens, busca demonstrar como a juventude tem utilizado as redes sociais como um espaço de purgação emocional. O texto propõe uma “metodologia das emoções" que reúne diversos procedimentos, como pesquisa bibliográfica, análise de conteúdo e netnografia para compreender o papel dos afetos na sociedade contemporânea, especialmente no contexto das atuais redes de sociabilidade, marcadas por um intenso processo de midiatização.
A primeira seção se encerra com o artigo “Jogo e imaginário na construção de narrativas no cenário da convergência”, de Filipe Mostaro, que apresenta uma proposta reflexivo-metodológica para a análise de narrativas produzidas no ecossistema midiático atual. A partir do exemplo do “ludens narrativo”, elaborado pela plataforma de apostas online Bet365, o texto indica o uso da metodologia na compreensão e análise de processos narrativos que permeiam o ambiente da convergência e rearticulam usos de antigas práticas sociais em um processo pautado pela tecnologia.
A segunda seção traz resultados de projetos de pesquisa que se desenvolveram ao longo da pandemia de Covid-19 e adaptaram e utilizaram diferentes metodologias para dar conta dos desafios do distanciamento social. Abrindo a seção, o artigo “Adaptando métodos de pesquisa: a experiência com brecholeiras de Madureira antes e durante a pandemia”, de Jorgiana Melo de Aguiar Brennand e Ricardo Ferreira Freitas, tem como objetivo apresentar uma pesquisa estruturada em dois momentos: antes e durante a pandemia de Covid-19. O objeto desse estudo é constituído pela Feira das Brecholeiras, evento realizado semanalmente, sob o viaduto Negrão de Lima, em Madureira, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.
A esse texto, segue-se “História oral em tempos de pandemia: desafios e adaptações da metodologia em entrevistas virtuais”, de Milene Gomes Ferreira Mostaro e Vívian Luiz Fonseca, que analisa os desafios e as adaptações na aplicação da metodologia da história oral durante a pandemia, com foco em entrevistas conduzidas virtualmente. Com base em um corpus de entrevistas realizadas com os grupos de samba do Rio de Janeiro “Moça Prosa” e “Samba que elas Querem”, as autoras exploram como o formato virtual impactou a coleta de dados e a interação entre entrevistadoras e entrevistadas.
Mais adiante, o artigo “A etnografia antes, durante e depois da pandemia: pesquisa sobre a Maratona do Rio de Janeiro”, de Tatiana Cioni Couto, detalha a etnografia aplicada durante o doutorado em Comunicação, realizado entre 2019 e 2023, tendo como objeto de estudo a Maratona do Rio de Janeiro e a comunicação institucional do evento. A pesquisa envolveu trabalho de campo, entrevistas e observação participante.
Finalizando a seção, Paulo Vinicius Frazão, Rosane Cristina de Oliveira e Renato da Silva, no texto “Pesquisar em tempos pandêmicos: um olhar sobre narrativas femininas em grupos de capoeira”, apresentam caminhos metodológicos e análise de narrativas de grupos de capoeira no Brasil, com o intuito de compreender os principais elementos que envolvem as relações de gênero e os desafios enfrentados pelas mulheres participantes das rodas de capoeira. Em decorrência da pandemia, os procedimentos metodológicos e a coleta de dados foram realizados remotamente, exigindo adaptação e criatividade.
Na terceira e última seção do Dossiê, artigos da área de educação apresentam metodologias e experiências interdisciplinares. O primeiro texto “Medo de errar: obstáculos para o ensino e a aprendizagem de professores-mestrandos de Sociologia”, de Alexandre Zarias, analisa as diferentes configurações do medo em processos de socialização no ensino e na aprendizagem de professores-mestrandos de Sociologia. Para tanto, foram produzidos dados qualitativos por meio da realização de um grupo focal online, composto por 26 docentes da educação básica pública que também eram alunos do Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional, na Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, em 2021.
Em seguida, o artigo “Experiência e (re)normalização: a atividade de trabalho no Colégio Técnico durante a Covid-19”, de Dilermando Moraes Costa, narra a experiência de trabalho docente no Colégio Técnico da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, focalizando o período da pandemia de Covid-19. Por meio de um relato de experiência, o texto apresenta a descrição, a interpretação e a compreensão da vivência através da revisitação de três das atas de reunião produzidas a partir das discussões dos grupos de trabalho, debatendo as noções ergológicas de norma antecedente e de renormalização.
Por fim, encerrando o Dossiê, o artigo “Educação pelos documentos: a história dos Ginásios Vocacionais revisitada em documentário”, de Marcio Ercilo Gonçalves de Oliveira e Jacqueline de Cassia Pinheiro Lima, por meio de uma análise documental, busca compreender como os Ginásios Vocacionais de São Paulo, criados durante a década de 1960, conseguiram promover um ambiente de educação democrática em pleno regime da Ditadura Militar.
O Dossiê Métodos Plurais: corporeidades e narrativas foi concebido e organizado pelo Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Interação e Cultura (Lampe) da UERJ e pelo grupo de pesquisa Corps: corpo, representação e espaço urbano, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UERJ.
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